Por Maria Lucia da Silveira*
Só um verso do poeta maior, Drummond, para expressar minha perplexidade: “Posso , sem armas, revoltar-me?”. Isso tenho pensado ao tomar conhecimento, de estupros, violência sexual de meninas e adolescentes yanomamis relatados pelas lideranças indígenas de sua etnia. Ecoam até nós, as violências sexuais barganhadas pela fome provocada por garimpeiros, que quebrou a resistência de indígenas no território yanomami. Criminosos garimpeiros que sabiam o que faziam, diga-se.
Atribuindo, ao fim e ao cabo, ao genocida mór, para favorecer gananciosos empresários do ouro, suas ações, omissões, ilegalidades na mineração em território da reserva Yanomami , todos esses crimes não podem ser normalizados.
Embora essa realidade ultrajante se abata sobre nós, o sofrimento de meninas ou jovens yanomamis grávidas, amedrontadas, violentadas (quiçá algumas desaparecidas, mortas?) e famintas não pode ser dimensionado, mas ao se tornarem mercadoria de barganha contra a fome de seu povo, exige algo mais de nós, feministas.
Seus corpos indefesos nos revelam uma crueldade difícil de avaliar, se a maior ou mais terrível de todas havidas nesse contexto, ou não. Só tenho como comparação de ritual misógino de eliminação, o episódio das mortes de mulheres em Ciudad Juaréz, no México, analisado há décadas pela antropóloga Rita Segato.
Nossa percepção é estarrecedora: de um lado, ganância, violência, destruição e lucro; de outro, fome, opressão de seres indefesos, de seus territórios, povos e floresta. A terra gira e tardamos em aguardar respostas. Por fim, percebemos que somos eu, tu, ela e nós, vós, elas quem devemos bradar por acolhimento, escuta e proteção para as yanomamis.
É revoltante ver garimpeiros criminosos se safando de pagarem por esses crimes hediondos!
Além de apresentar a conta ao genocida mór, o inominável, devemos somar também os políticos sacripantas, os exploradores da mineração, próximos e longínquos, como coautores.
Maldito ouro, diz Davi Kopenawa Yanomami. Mas malditos empresários sanguessugas que destróem toda vida de rios, floresta e gente!
Que as instituições democráticas e a sociedade civil estejam vigilantes e que o novo governo consiga tolher e responsabilizar esses opressores.
Por cada jovem violentada, faminta, destruída ou adoecida, gritemos basta! Que nunca mais aconteça!
*Maria Lucia da Silveira é militante da Marcha Mundial das Mulheres em São Paulo (MMM – SP)
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