*Por Helena Zelic
Nós, feministas, temos uma responsabilidade e tanto: nós sonhamos com um outro mundo possível. nós lutamos todos os dias para que a resistência e a solidariedade das mulheres culmine no mundo que queremos – um mundo sem desigualdade e exploração, onde viver valha a pena.
aí vem o mundo de hoje e nos dá uma rasteira. duas rasteiras. trinta rasteiras. rasteiras todos os dias, pois a dor de cada mulher é a nossa também, e porque, afinal, quantas de nós não passamos por violências nessa vida? somos inúmeras dores, bem como inúmeros renascimentos. mas aí pensamos que estamos sempre um passo atrás do patriarcado. que nunca conseguimos nos adiantar. é em momento como esses que precisamos pensar bem sobre o que queremos. existem saídas que não solucionam o problema inteiro da violência contra as mulheres, mas que são saídas “fáceis” – fáceis, é claro, porque tem o apoio de setores poderosos da sociedade. são estes os mesmo setores que odeiam as mulheres. os setores que matam camponês e indígena em nome da propriedade privada; os setores liberais que lucram em cima da espetacularização dos crimes e da indústria de armas; os setores que cospem na constituição; os setores que nos corroem com projetos de país que incluem o estatuto do nascituro ou o pl 5069. os vários eixos de atuação da política conservadora possuem em comum um elemento fundamental para sua subsistência: a misoginia. e nós não podemos ter nada a ver com eles.
não é por ser contra a violência sexista que eu apoio a ação brutal de “justiceiros”, que apoio a tortura, que apoio a castração, que apoio a pena de morte, que apoio a redução da maioridade penal, que apoio o armamento como solução. porque não é. na realidade, é uma pena que tenhamos ultrapassado tanto os limites da violência contra as mulheres e que tenhamos respostas ainda tão pouco efetivas em nosso país, que gerem respostas alternativas como estas, tão perigosas para nós mesmas enquanto feministas.
a violência contra as mulheres hoje, em nosso país, é muito dura, dói e rasga, dá um medo da porra. ela é coletiva, realizada por homens “sãos” sobre mulheres de forma generalizada em diversos espaços: em casa, na rua, no trabalho, na escola, no transporte público. mas precisamos enfrentá-la através da nossa auto organização feminista, e não do uso fácil dos setores conservadores. penso que precisamos combater a violência para mudar as estruturas da sociedade como um todo, e não aprofundar mais ainda as crises desse mundo torto.
se, mais uma vez, algum congressista conservador e misógino disser que defende o indefensável porque quer o bem das mulheres, direi sem titubear: não em nosso nome.
*Helena Zelic é militante da Marcha Mundial das Mulheres de São Paulo
[…] Texto também publicado no Blog da Marcha Mundial das Mulheres. […]