O Diane 35 e nossas escolhas

foto post aninhaA anticoncepção é um tema bastante controverso, mobilizando setores com projetos societários bastante divergentes. Do ponto de vista feminista, ela é fundamental na vivência da sexualidade. A anticoncepção possibilita um reposicionamento da relação mulher e maternidade, distinguindo-as e permitindo que a maternidade não seja um destino obrigatório.

Desde a famosa “tabelinha”, até a “camisinha” e os fármacos (cada vez mais variados) a anticoncepção envolve tecnologias e escolhas. Um elemento importante, portanto, é desneutralizarmos as tecnologias – e a própria produção do conhecimento – para dialogarmos sobre nossas escolhas.

As pílulas, os diversos fármacos, nas suas diferentes apresentações, dosagens hormonais e vias de administração estão sob a égide das indústrias farmacêuticas, inserem-se na lógica dessas grandes corporações.

Há em curso no período recente uma customização das substâncias hormonais, de forma a atender diferentes objetivos. Entre evitar a gravidez, diminuir a acne, acabar com a Síndrome da Tensão Pré Menstrual, diminuir a retenção de líquido, curar a endometriose são construídas tantas demandas que aparentemente todas as mulheres necessitam dessas substâncias milagrosas.

No mesmo passo, fabricada pela mesma indústria – e pela mesma comunidade científica – está em curso a campanha que designa a menstruação como “não natural”. O consumo de hormônios seria o mecanismo de resgatar a natureza feminina.
Inserindo-se nitidamente em um processo (antigo, deve-se ressaltar) de negativizar o corpo feminino.

O que estamos dizendo é que esse movimento envolve uma normatização das experiências femininas cotidianas. Essas substâncias influenciam comportamentos  têm criado novas demandas e – até – novas explicações para questões existências. Em síntese, um nítido movimento de controle dos corpos femininos.

As pílulas – chips, injetáveis, adesivos, etc – delicadamente e minuciosamente preparados conseguem construir o ideal de mulher contemporâneo. Afinal, menstruar é incompatível com as tarefas acumuladas pelas mulheres do século XXI. Esse movimento não é unidimensional, independente dos objetivos implícitos, as mulheres apropriaram-se do uso da pílula de diversas formas, inclusive para a vivência mais livre da sexualidade.

No mesmo sentido, não se trata de defender uma vivência livre de tecnologias. Existe um movimento que procura ressaltar uma “natureza feminina” como ideal de liberdade. Na realidade, diferentes objetivos mobilizam uma ideia que é fictícia de que natureza e sociedade são distinguíveis. Romper com essa dicotomia natureza e cultura, reposicionando as mulheres como as protagonistas pelas escolhas das melhores tecnologias para a vivência prazerosa da sexualidade sem riscos de gravidez – quando esta não é desejada – e livre de doenças é o elemento central.

Portanto, evidenciar as relações de poder que perpassam as substâncias, despir sua neutralidade é fundamental. Elas apresentam riscos comprovados e riscos não contabilizados, elas apresentam objetivos – e não apenas riscos – colaterais. A Agência de Segurança Nacional de Medicamento e Produtos de Saúde (ANSM) da França anunciou no dia 30 de janeiro que suspenderá a autorização de comercialização do anticoncepcional Diane 35. Bastante conhecido entre as mulheres oitentistas, praticamente todas deixavam o consultório ginecológico com uma prescrição, fosse para evitar a gravidez, fosse para eliminar as famosas acnes. Em um momento de descoberta da sexualidade, muito jovens, ele contribuía para deixar nossos semblantes bonecamente límpidos, praticamente translúcidos, além de possibilitar o início da vida
sexual silenciosamente.

Os argumentos da divergência do fim de sua comercialização estão envolvendo a responsabilização dos médicos, bem como a confiabilidade nas estatísticas. De fato, é necessário aprofundarmos nossa reflexão sobre os métodos anticonceptivos exatamente pela relevância no cotidiano da vida das mulheres. As pesquisas estatísticas – quantitativas – não são podem ser o único critério de decisão nessa escolha. Elas mesmas apresentam diversos vieses. Elas mesmas fazem parte das redes corporativas das indústrias farmacêuticas, além de também serem influenciadas pelos objetivos estatais.

De nossa parte, a rede de construção de conhecimento sobre os fármacos, seus efeitos também é constituída cotidianamente. Precisamos reforçar nossas redes, nossas conversas e publicizar nossos conhecimentos sobre essas drogas – e os diversos métodos anticonceptivos – de forma a influenciarmos nessas decisões, além de nos solidarizarmos com essas decisões que influenciam tanto nosso cotidiano, mas hoje o são profundamente solitárias e desapropriadas de nós mesmas.

E para reforçar nossa defesa do nosso uso das tecnologias a nosso favor, a camisinha é um excelente método, único que possibilita evitar gravidez, prevenção de doenças e corresponsabilização da prevenção.

*Ana Cristina Pimentel é mestranda em Saúde Coletiva na UERJ e militante da Marcha Mundial das Mulheres no Rio de Janeiro.

Comments

  1. Cami - Caxias, RS says:

    Ana, adorei o texto, massa! Importante toda a contextualização e colocar de forma objetiva o que está oculto nisso tudo! saudades suas…

  2. Raquel Duarte says:

    Ótimo texto! Muito esclarecedor. Li bastante sobre o assunto quando uma companheira da MMM da minha cidade (Caxias do Sul) contraiu trombose, e a principal suspeita era o anticoncepcional Diane 35. Meu sentimento inicial foi de muita indignação… pois isso é mais um fruto desse mundo capitalista e patriarcal que só pensa no lucro, sem se preocupar com a vida das pessoas. Não entendo como a composição dos anticoncepcionais ainda nao evoluíram, pois praticimente todos trazem em sua bulas os risco de trombose venosa ou arterial…. espero que haja um avaço nas pesquisas da indúsria farmaceuica em relação à saúde da mulher! Não podemos mais correr riscos!

  3. Nossa adorei esse texto, me esclareceu bastante! Eu tomei essa pílula durante cerca de 3-4 anos e me dei bem, mas também já ouvi falar de muitas contra-indicações e efeitos colaterais podem ver aqui http://saude.umcomo.com.br/articulo/como-funciona-a-diane-35-4082.html. Comigo melhorou minha acne e não engordei.

Deixe um comentário

SEGUIREMOS EM MARCHA ATÉ QUE TODAS SEJAMOS LIVRES!