Seis passos para o jornalismo machista

Por: Thandara Santos*

Parece só mais uma notícia na coluna de esportes do Uol.

Só mais uma página na internet.

Só mais uma reportagem sobre esportes radicais.

Só mais uma reportagem sobre um torneio de esportes no Mundo.

 Só que NÃO é!

É, mais uma vez, o machismo nosso de cada dia, que tenta passar desapercebido no jornalismo. É, mais uma vez, a imagem da mulher sendo mercantilizada. É, mais uma vez, o papel da mulher sendo retratado como pano de fundo das atividades masculinas. É, mais uma vez, o foco do jornalismo mais raso sendo desviado da notícia, da informação, para os corpos das mulheres.

 A fonte é a coluna de esportes do site Uol. O link para a página em questão é esse e a imagem do acesso feito em 05/08/2013 às 12h45 é essa:

 jornalismomachista1A foto é pequena, mas o esforço machista por trás dessa inofensiva página é grande, então, vou tentar ampliar a lupa sobre cada um dos pontos destacados, pra ver se a gente consegue enxergar melhor o verdadeiro intuito das notícias e a noção de mulher que perpassa todas elas.

A primeira imagem é da manchete da página:

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Os destaques são: o menino, que é “prodígio”, e a mulher, que é “musa”. Não é atleta, não é skatista, não é esportista, não é competidora, não, nada disso. É musa! O “brasileira”, no imaginário machista que acomete a redação do Uol, é também um bônus para o fato que ela é musa.

A segunda imagem está escondida no canto esquerdo da página:

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A manchete diz que a Glenda Kozlowski e o Bob Burnquist foram eleitos, por uma pesquisa realizada pelo UOL Esporte sobre a presença e influência digital dos principais ídolos das modalidades de esportes radicais nas redes sociais, como os “radicais” mais influentes da internet.

É óbvio que existem imagens disponíveis da Glenda Kozlowski, uma jornalista especializada em coberturas esportivas, apresentando programas de televisão VESTIDA, ou participando de eventos esportivos VESTIDA ou mesmo andando pela orla da praia em um domingo de sol VESTIDA.

Assim como certamente existem imagens disponíveis na internet do Bob Burnquist, um skatista brasileiro que vive no exterior, sem camisa andando de skate ou sem camisa na praia em um domingo de sol. Mas, a disponibilidade de imagens não importa, pois a escolha editorial é óbvia e já está feita a priori. Se ela é mulher, tem que aparecer semi-nua na manchete, se ele é homem tem que aparecer como qualquer ser humano normal, com roupa.

A terceira imagem é do meio da reportagem inicial sobre a “musa brasileira”:

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Voltamos, então, à skatista brasileira de 20 anos que faturou a ÚNICA medalha de ouro brasileira na competição. Você poderia achar que o que seria relevante para o leitor da coluna de esportes do Uol sobre essa atleta que trouxe a única medalha de ouro para o Brasil seria explicar a sua trajetória no esporte, onde treina, com quem treina, ou então seria legal saber mais sobre a modalidade em que ela venceu, quais são as categorias que existem, quem mais no Brasil competiu nesse evento, quem são os principais vencedores dessa modalidade no mundo etc.

Mas não, para a redação de esportes do Uol o que importa mesmo saber é que ela é mulher, é “musa”, é jovem, tem “pés sensíveis” e tem uma tatuagem no lábio. O resto, deixa pros atletas homens.

A quarta imagem aparece nos Destaques do canto direito:

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“Mulher de Mutante revela bronca por invadir octógono de salto alto” – uma ótima reportagem sobre a mulher de um dos lutadores do UFC que comemorou uma vitória dele com ele.

Você poderia achar que a comemoração da vitória não seria tão importante quanto a vitória em si para o leitor da coluna de Esportes do Uol. Até poderia ser, não fosse o fato de que a mulher do lutador é “uma bela mulher com um vestido justo e de estampa de oncinha”. Ai sim, suuuuper relevante para o esporte, não?

A quinta imagem, ainda no canto esquerdo da página:

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A manchete já é auto-explicativa e, novamente, de suma relevância para o esporte no Brasil.

O novo jogador do Santos “TEM SUA PRÓPRIA” (do verbo ter, que indica “propriedade”) Bruna Marquezine.

[*nota: a categoria “Bruna Marquezine” aqui é entendida como um determinado “tipo” de ser humano do sexo feminino que é jovem, bonita e que namora jovens estrelas do Santos. Não importa quem ela é, o que ela faz, se ela joga futebol ou não, se ela estuda, se tem uma carreira. Ela, a Bruna Marquezine, representa uma categoria específica de mulher, aquela que é jovem e é bonita, segundo os padrões estabelecidos, e sobre a qual o Uol se refere como uma espécie de “marca” de mulher que, tal qual um carro, jogadores de futebol podem “ter” ou não ter.]

A sexta imagem, que fecha a página e enterra de vez os diplomas dos jornalistas que compõem a redação do Uol Esportes, soterrados por 7 palmos de machismo e misoginia, é essa:

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Mais uma reportagem de suma relevância para o esporte mundial, agora sobre uma tenista da Sérvia, que já foi nº 1 do ranking mundial e atualmente é a 13ª no ranking mundial de tenistas.

Será que a reportagem é sobre uma nova vitória dela? Talvez um novo título que a faça subir posições no ranking? Talvez uma derrota prematura? Talvez um novo patrocinador? O anúncio de sua aposentadoria do esporte? Uma lesão? Um novo centro de treinamento? Nada disso, o que importa mesmo para a redação do Uol é que essa atleta do esporte mundial é mulher, é bonita e fez umas fotos semi-nua. Isso que importa!

* Thandara Santos é militante da Marcha Mundial das Mulheres de São Paulo.

Comments

  1. João Pedro says:

    a manchete e a matéria da “letícia de ouro” tudo bem, concordo. Mas é a foto de paparazzi da Glenda fazendo esporte na praia. Ela só está com um top, não é apelativa. Daí eles pegam e julgam a competência fashion da esposa do lutador. Ela teria que vestir o quê então pra ver o marido jogar? Aí, curti não.

    • Maria de Lourdes says:

      Claro,claro….nunca é apelativo…mas se não o é,cade os homens sem camisa? cade os homens de sunga sendo mostrado de forma sensual?? Fácil classificar o que é ofensivo ou não para as mulheres quando não volta para você as consequências,não é colega??

  2. A Ivanovic fez um ensaio sensual, não fez?. O site é um site de notícias, não?? Ela é esportista, certo? Agora o site está proibido de falar sobre o assunto? Tenha a santa paciência. Vai reclamar com ela então…

    • Maria de Lourdes says:

      Diz aí amigo,se tem algum homem pelado nesse site de esportes e descrito da mesma forma objetificante que as mulheres ! Se não tem,por que mulher pode e homem não? Ou nunca lhe ocorreu isso?

  3. Maria de Lourdes says:

    São sempre HOMENS a desqualificar as nossa reclamações sobre nossa objetificação…será que os carinhas leram ou repararam que os homens não são objetificados da mesma forma que nós somos?? Mas não…o negócio é atacar mulheres que se levantam contra o status quo,a tradicional tentativa de nos fazer calar aboca.patético.

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