Modernização da fome e a vida das mulheres: por que lutamos pela soberania alimentar?

Lilian Roizman e Marília Closs

Nos últimos anos, o Brasil voltou a passar fome. Essa, no entanto, não é uma realidade somente brasileira. O resto da América Latina e do Sul Global também têm muitos espaços onde a insegurança alimentar vem crescendo após novas ofensivas do neoliberalismo. Poderíamos dizer que a fome é um fenômeno inerente ao modo de produção capitalista. Atualmente, isto tem a ver com o neoliberalismo, que tem como atores centrais as transnacionais e os Estados dos países centrais, que, muito mais que produzir modernizações na agricultura, obtiveram sucesso em modernizar a fome e a desigualdade. Neste texto, discutimos o que é modernização da fome e por que isso tem a ver com a sobrevivência e o bem viver das mulheres.

Já como ponto de partida, entendemos que a distinção entre os conceitos de “segurança alimentar” e “soberania alimentar” são imprescindíveis para pensarmos a questão da fome. O primeiro conceito já é bastante antigo, sendo usado desde meados da Primeira Guerra Mundial, e depois formalizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O conceito “segurança alimentar” é defendido no discurso de órgãos internacionais (FMI, Banco Mundial, ONU…) e empresas transnacionais, e diz respeito a capacidade de um país em fornecer o acesso básico de sua população a alimentos (calorias) em quantidade mínima para garantir saúde e atividade. O conceito de “soberania alimentar”, muito defendido por movimentos sociais nos territórios, vai além: não olha apenas para a quantidade de alimento, mas para qual alimento, como é produzido, por quem e onde. A soberania alimentar diz respeito à superação da dependência de grandes empresas e outros países no acesso aos alimentos, através do controle popular da produção de alimentos dentro dos territórios, mantendo uma relação sustentável com a terra e preservando saberes tradicionais. A discussão sobre soberania vai além das calorias, porque vê na alimentação uma questão básica de liberdade, dignidade e bem viver.

Tecnologias de guerra, neoliberalismo e a modernização da fome

Atualmente, a soberania alimentar, e até mesmo a própria segurança alimentar, têm sido colocadas em risco, como resultado de uma série de fatores e processos históricos. O mais importante deles, sem dúvida, é a guinada que o desenvolvimento capitalista engata após a 2ª Guerra Mundial, que acaba por transformar completamente, em abrangência e intensidade, a forma com a qual a agricultura é organizada a nível global. Mais do que nunca a busca pela redução dos custos de produção, como forma de garantir a lucratividade dos negócios, torna-se a lei geral da economia. Agora, sob hegemonia estadunidense, essa lei de busca pelo lucro extrapola simplesmente o ambiente fabril e mercantil, e passa a organizar praticamente todas as esferas da vida. Essa lógica “industrial”, não à toa, chega também à intimidade das relações pessoais, passa a organizar o setor de serviços, a cultura, o sexo… entre tantos outros elementos das nossas vidas. A aceleração, uniformização, impessoalidade, replicação e consumismo imbricadas no american way of life são vendidas como um estilo de vida ideal, exportadas para todos os cantos do mundo independentemente da cultura.

A 2ª Guerra Mundial colocou as grandes potências capitalistas do planeta em choque. A disputa era, sobretudo, uma corrida tecnológica e informacional. Muito dinheiro era colocado pelos Estados para que o desenvolvimento de novas tecnologias de guerra fosse acelerado. A bomba de Hiroshima mostrou como o domínio das coisas mais diminutas (como o átomo) significavam um poder muito maior (um raio de destruição inimaginável). Quando a Guerra acaba, todas essas tecnologias impulsionadas pela guerra entre Estados transbordavam para os mercados, e a iniciativa privada buscava aplicá-las na aceleração da produção, do consumo e no desenvolvimento de novos produtos. Formava-se um modelo novo de economia, apoiado nas trocas mútuas entre o Estado (como promotor da guerra), a indústria (como promotora do comércio), e da ciência (como desenvolvedora de novas tecnologias). O coração deste sistema, que vencia o mundo, era o complexo industrial-militar dos Estados Unidos.

A forma com a qual se produzem e se consomem os alimentos muda radicalmente dentro dessas tendências. A lógica industrial – da repetição, mecanização e do aumento de escala – passa a tomar o campo, acelerando e padronizando a agricultura e o consumo de alimentos. Na agricultura, novas tecnologias surgem e se desenvolvem. A tecnologia dos fertilizantes artificiais é um bom exemplo disso. Criada na mundial como parte do processo de fabricação de bombas, o processo artificial de fixação de nitrogênio (chamado processo Haber) passou a ser amplamente utilizado na adubação do solo nos anos 1950.

O nitrogênio, fundamental na adubação do solo, por exemplo, dependia do “lento” processo de fixação na terra feito pelas bactérias, que transformam o nitrogênio da atmosfera em substâncias que podem ser assimiladas pelas plantas, ou do extrativismo de substâncias como o guano, que eram finitas. Com a adubação industrial – que depende da fixação de nitrogênio sintética –, já não seria mais preciso esperar esse processo. A agricultura, com a ajuda de substâncias obtidas em laboratórios e vendidas no mercado por grandes empresas aos grandes agricultores, passa a atropelar e acelerar os ciclos naturais.

Além do desenvolvimento dos fertilizantes sintéticos, a criação de pesticidas, as melhoras nos sistemas de irrigação e a mecanização crescente do plantio, todas frutos de transferência tecnológica para a agricultura, compõem juntas um pacote de práticas e processos que ficaram conhecidos como a Revolução Verde. Embora seu nome remeta a uma mudança de paradigma baseada no verde da vegetação, ela não significou muito além do aprofundamento da industrialização e extrativismo sobre a vida. Pouco depois, a engenharia genética se espraia, permitindo a generalização de pouquíssimas variedades de plantas cujo genoma é privatizado nas mãos de algumas empresas, o que apenas vem para intensificar a lógica da industrialização da vida.

Os defensores da Revolução Verde clamam que ela veio como forma de aumentar a produtividade dos campos, retirando supostamente o gênero humano de sua dependência dos ritmos naturais e do risco da depleção dos recursos e espaço necessários para os plantios. Vendiam a possibilidade de que a fome do mundo poderia ser erradicada. De fato, a agricultura teve uma explosão em seus índices de produção, mas mesmo depois de 70 anos, milhões de pessoas passam fome, a área dedicada à agricultura cresceu, a desigualdade se aprofundou, a pressão sobre os ecossistemas e comunidades aumentou dramaticamente, a diversidade e qualidade dos alimentos disponíveis diminuiu.

Na outra ponta do processo, cada vez mais distante ou com mais processos intermediários de processamento e industrialização das comidas, a iniciativa privada também passou a controlar aparte da distribuição dos alimentos. Não se trata apenas do modelo de produção, mas também do modelo de consumo, que sofreu importantes transformações. Controlando, assim, os preços, a variedade, o formato e as cores, e colaborando cada vez mais a transformação da comida em um mero alimento, cujo processo de produção é distanciado e ocultado dos consumidores. Ao longo das cadeias de distribuição, muita comida é desperdiçada, tanto no transporte quanto no descarte dos supermercados que consideram itens com “aspecto inadequado”. O ritmo industrial e as longas distâncias percorridas dependem diretamente de grandes quantidades de energia gastas com refrigeração e transporte, sem contar em todo o petróleo consumido para a fabricação de embalagens e os resíduos plásticos que são descartados sem jamais passar por reciclagem.

A aposta na Revolução Verde, embora apostasse no discurso de redução de desigualdades e erradicação da miséria e da pobreza, no fundo sempre foi sobre criar um negócio lucrativo sobre a agricultura. Grandes empresas dominam essas cadeias de ponta a ponta, desde o desenvolvimento de sementes modificadas, fábricas de insumos químicos, grandes proprietários de terra e grandes linhas de supermercado.

Conforme o que disse a ativista Vandana Shiva, ecofeminista indiana, em sua entrevista republicada no site do MST[1], temos visto cada vez mais a comida deixar de ser um alimento para se tornar meramente um produto. “Nas últimas décadas, tivemos essa espécie de ilusão de que os químicos e as corporações são os que alimentam o mundo, mas o que realmente alimenta o mundo é a terra, o sol, a água, a fotossíntese, os insetos que polinizam os cultivos, os micro-organismos que produzem nutrientes… Em segundo lugar, somos nós, mulheres, que nutrimos esse mundo, todavia 70% da comida procede dos pequenos agricultores. Isso é a comida real, porque o que chamamos de comida e compramos nos supermercados é realmente um produto vazio nutricionalmente, tóxico, não é comida, e não está alimentando o mundo.” diz ela.

Quando pensamos que os alimentos industrializados, ultra processados e modificados que vemos nas prateleiras dos supermercados por preços extremamente baratos, deveríamos perceber que algo está errado. Qual é o custo da alimentação barata? Estes alimentos, além de não terem praticamente nenhum valor nutricional relevante, possuem muitas vezes substâncias que em excesso são prejudiciais à saúde. Social e ecologicamente, suas cadeias de produção têm efeitos extremamente nocivos, e tudo isso para não realmente alimentar ninguém com boa qualidade. Talvez apenas o bolso dos proprietários envolvidos em sua produção. “A comida é o maior problema de saúde que há no mundo, e também é o maior problema para a saúde do planeta. 75% das doenças e problemas do planeta e dos problemas de saúde da humanidade procedem de uma agricultura globalizada e industrial. A grande ameaça para o bem-estar do planeta e a saúde de seus habitantes é a agricultura globalizada e industrial e a forma de produzir, processar e distribuir os alimentos.” continua a ativista.

A desigualdade social e o desemprego têm crescido em muitos lugares do mundo. Numa situação de vulnerabilidade econômica, muitas famílias têm apelado pela comida barata de baixíssimo valor nutricional, já que uma alimentação saudável e digna por vezes não cabe no orçamento. Os ultra processados, que matam a fome sem alimentar bem, são ricos em gorduras, sódio, amido e açúcar. O que acontece é uma espécie de “modernização da fome”: uma população que come todo dia, mas que permanece subnutrida. Quando pensamos nos desnutridos e famintos, é fácil que nosso imaginário recorra aos corpos magros que deixam os ossos à mostra, como as crianças africanas para as quais as propagandas adoram apelar, ou à imagem dos famélicos do interior do Nordeste. Mas a “fome” moderna também tem novas caras, não tão distantes, como a obesidade, e está por toda parte, até mesmo nas cidades. Obesidade, fome, desnutrição, malnutrição, sobrenutrição são todas faces distintas de um mesmo problema, são todas condições de saúde inerentes ao modelo da agricultura industrial, que ao enxergar na comida uma mercadoria, priva milhões de pessoas do acesso a uma alimentação autônoma e saudável[2].

O geógrafo José Raimundo Ribeiro[3], que estuda o fenômeno da fome em centros urbanos como São Paulo atenta (se apoiando na leitura de Josué de Castro) para o fato de que “para além do gravíssimo caso das pessoas que morrem de fome – e isso é cada vez menor no nosso país, mas ainda existe –, para além desse gravíssimo caso, a gente tem que olhar para as pessoas que passam uma vida inteira com fome. E isso é muito preocupante, porque elas passam a vida inteira com fome sem ter uma percepção, elas mesmas, de que estão com fome.” Ele mostra que a fome se urbanizou juntamente aos países, e seu conceito e sua natureza se transformam também. A fome antes de ser fruto de catástrofes como a guerra e desastres naturais, é um dos produtos das relações sociais capitalistas.

A forma com a qual o modelo de agricultura industrial se espalhou pelo mundo é relacionado diretamente com a globalização pelo neoliberalismo. Esse novo paradigma econômico, que se tornou a norma global a partir dos anos 70-80, rompeu com os objetivos de desenvolvimento-nacional dos países periféricos, e reinstituiu princípios liberais de não-intervenção na economia, contenção de gasto público e abertura comercial. O mercado e a iniciativa privada, a nível internacional, em tese seriam capazes de promover ganhos maiores de eficiência a partir das vantagens comparativas, isto é, países que tem capital deveriam exportar produtos industrializados, enquanto países com muita população deveriam ter processos intensivos em força de trabalho, e países ricos em recursos naturais deveriam explorá-los e exportá-los de forma eficiente.

Assim, a generalização da agricultura industrial sob o neoliberalismo fez grande proveito da grande extensão da terra e qualidade do solo na América Latina, aumentando o desmatamento e colocando cada vez mais territórios sob o controle do agronegócio. As plantações extensivas, assim como em tempos de colônia, não são dedicadas à alimentação da população, mas sim à exportação. Seja para a alimentação de animais (na pecuária industrial), processamento ou fabricação de combustíveis. Uma parcela pequena das grandes produções agrícolas em grandes propriedades é direcionada para a mesa. Mas, sob a ótica do neoliberalismo, nossa população estaria fazendo o aproveitamento mais eficiente dos recursos que dispõe, mesmo que os ganhos fiquem concentrados nas mãos dos grandes proprietários, que o nosso modelo econômico fique viciado em exportações de baixo valor, que nossos biomas sejam obliterados e que nossa gente não coma direito.

Muitas iniciativas do ramo da agricultura partiam de instituições internacionais com o objetivo de promover a “modernização” do campo e o “desenvolvimento”. Esses programas neoliberais, embora clamem pelo fim da fome, são importantes geradores de miséria. Ao transformar a terra comum em bens econômicos privados, comunidades camponesas são forçadas a abandonar seu território, e a terra passa a ser utilizada para plantações voltadas à exportação e pouca diversidade. O Sul Global, assim, perdeu o controle sobre seus sistemas alimentares, sua autonomia, e, assim, a fome tornou-se também uma realidade fabricada.

E, assim como a agricultura industrial é em grande medida filha da guerra e do neoliberalismo, pela guerra e neoliberalismo ela se reproduz. Silvia Federici, em seu livro O Ponto Zero da Revolução[4], menciona como programas de ajuste estrutural introduzidos em 1980 pelo Banco Mundial e pelo FMI fomentaram conflitos armados contínuos em diversos países africanos, como a Argélia, Sudão, Somália, entre outros. Os países, que assim como a América Latina haviam se endividado na década anterior como forma de bancar seus projetos de desenvolvimento, tinham que aderir às agendas neoliberais impostas pelos órgãos como forma de manter “o equilíbrio econômico”. Entre os itens da agenda, constavam, além do corte de gastos, a desregulamentação e a liberalização do comércio, também a privatização da terra, que era usufruída de maneira comum.

Federici pontua: “Supostamente, o objetivo dessa reestruturação econômica era impulsionar a produtividade, eliminar a ineficiência e aumentar a “competitividade” da África no mercado global. Entretanto, ocorreu o oposto. Mais de uma década após a adoção desses programas, as economias locais colapsaram, o investimento estrangeiro não se materializou, e as únicas atividades produtivas em vigor na maioria dos países africanos são, mais uma vez, como ocorria no período colonial, a extração mineral e a agricultura orientada à exportação, que contribuem para a abundância no mercado global enquanto os africanos não têm comida suficiente para se alimentar. Nesse contexto de falência econômica generalizada, violentas rivalidades eclodiram em toda parte, entre diferentes facções da classe dominante africana, que, incapazes de enriquecer através da exploração da força de trabalho, lutam agora para ter acesso ao poder do Estado como condição essencial para a acumulação de riqueza” (pg. 166). As pessoas saem da terra, repelidas pela guerra, que passa a ser usada para fins capitalistas nas mãos do agronegócio e empresas transnacionais. “A guerra não foi uma consequência da mudança econômica; também foi um meio de produzi-la” (pg. 169).

Outro instrumento do neoliberalismo utilizado para ampliar o poder sobre a terra e generalizar a agricultura industrial são os acordos internacionais de livre comércio. O GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) foi um exemplo emblemático de como, pela redução de barreiras protecionistas e liberalização dos mercados, órgãos internacionais conseguem forçar países do Sul Global a exportarem seus recursos naturais, rompendo laços comunitários e sistemas alimentares autônomos voltados para a subsistência. Uma vez abertos os mercados, a remoção de tarifas levaria a uma especialização regressiva, ou seja, o aprofundamento de economias baseadas nas “vantagens comparativas”. Mas, ainda assim, a agricultura subsidiada dos países desenvolvidos promove quebradeiras nos países do Sul Global, que não têm como competir com os baixos preços[5]. Além disso, os acordos forçam regimes de propriedade intelectual, que privatizam recursos genéticos de plantas e o uso de outras tecnologias, colocando em risco o conhecimento de comunidades e agricultoras através da biopirataria, e aprofundando a dependência frente às transnacionais e aumentando custos de produção, pelo pagamento de royalties.

Atualmente, exatamente os mesmos padrões se repetem com o risco de ratificação do Acordo Comercial entre a União Europeia e o Mercosul, proposta de livre comércio sendo discutida a portas fechadas nas esferas de poder. O modelo reforça estruturas coloniais (eles produzem com indústria, nós exportamos recursos naturais) ao propor a redução de tarifas e a desregulamentação de mercados. O aprofundamento da agricultura industrial viria com uma liberalização acelerada (mais acelerada que está no governo Bolsonaro!) de agrotóxicos, colocando em risco nossa terra, nossa saúde e nossas águas. O pior é que 1/3 desses agrotóxicos que eles querem vender para nós já é proibido dentro da própria União Europeia, e os níveis aceitáveis lá chegam a ser centenas ou milhares de vezes menores do que os daqui. Essa política de dois pesos e duas medidas é o que Larissa Bombardi[6] chama de colonialismo molecular. Eles lucram, nossos territórios, corpos e comunidades sofrem o prejuízo dessas substâncias. O Acordo, assim, diz estimular a agricultura industrial, tentando por veneno no prato, quando mais precisamos de comida saudável, local e de qualidade.

As lutas por soberania alimentar: o passo possível a ser dado adiante

O regime internacional que organiza hoje a produção de alimentos não garante segurança alimentar; pelo contrário: mercantiliza a natureza e moderniza a fome. Isto afeta todos os povos, mas é especialmente cruel com vidas e corpos das mulheres – e, principalmente, com as mulheres do Sul global. Na produção, mulheres estão mais expostas a agrotóxicos e estão mais sobrecarregadas que os homens. Com a precarização do trabalho com as ofensivas neoliberais, mulheres ficam ainda mais vulneráveis às transnacionais, que controlam esta lógica de produção de alimentos como commodities. Junto com isto, as mudanças climáticas fragilizam as condições de vida e desestruturam territórios e comunidades, empurrando mulheres e homens a trabalhos precarizados junto a grandes corporações. Por fim, é preciso lembrar que pensar a fome não passa somente pela reflexão sobre a produção, mas também sobre consumo e distribuição. Com a alta dos preços, as mulheres, que são as chefas da maioria das famílias, se sobrecarregam em jornadas triplas para dar conta de colocar comida na mesa e garantir a reprodução da vida.

Frente a isso, é urgente o fortalecimento da ideia de soberania alimentar. Mais que segurança alimentar, ou seja, a garantia de alimentos que cheguem ao prato, é necessário discutir sobre a soberania:  que os povos possam discutir o que comem, como comem, quando comem e como sua comida será produzida. Temos avançado de forma significativa nos debates sobre alimentos orgânicos, sobre a crítica aos agrotóxicos – e preciso seguir adiante; no entanto, indo mais além. O combate à mercantilização da alimentação e à lógica do agro é fundamental. Afinal, produção e a distribuição de alimentos mais justa parte de políticas diferentes com relação aos recursos naturais, à água e à divisão sexual do trabalho e da reprodução da vida.

É preciso que cada vez mais nos organizemos a partir dos territórios, insistindo em modos de vida alternativos que vejam no alimento seu sentido verdadeiro: a base de sustentação da vida, desde o cultivo da terra, a organização soberana das comunidades, o preparo coletivo da comida e a saúde de nossos corpos. E isso quer dizer politizar tecnologias, barrar novas movimentações e acordos internacionais no campo do agro e, claro, colocar a vida novamente ao centro, insistindo sempre no bem viver como alternativa ao neoliberalismo.


[1] https://mst.org.br/2018/04/30/vandana-shiva-a-comida-e-o-maior-problema-de-saude-no-mundo/

[2] http://www.coc.fiocruz.br/index.php/pt/todas-as-noticias/1957-fome-e-obesidade-sao-indicadores-de-desigualdade-social-e-economica-diz-historiador.html

[3] https://apublica.org/2018/09/inseguranca-alimentar-e-um-eufemismo-para-a-fome-diz-pesquisador/

[4] Silvia Federici: “O Ponto Zero da Revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista”. São Paulo: Editora Elefante, 2019.

[5] Vandana Shiva e Maria Mies. “Ecofeminism”, capítulo 15: “GATT, Agriculture and Third World Women.” Londres e Nova York: Zed Books Ltd, 1993.

[6]https://ojoioeotrigo.com.br/2021/06/mais-cancer-mais-alteracoes-hormonais-mais-intoxicacoes-e-mais-contaminacao-ambiental/

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