Por Marcha Mundial das Mulheres do Distrito Federal (DF)
Mulheres negras sofrem com a dupla discriminação de gênero e raça. A história da produção da riqueza do Brasil se dá centralmente em cima da exploração dos povos originários e das populações oriundas da África. Nessa exploração, destaca-se a das mulheres negras que além de trabalhar na roça, na casa grande, como escravas de ganho – produzindo quitutes e artesanatos – também eram forçadas, de forma violenta e absolutamente degradante, a serem as “fornecedoras de mão de obra”, através do roubo dos seus filhos e filhas para o sistema escravocrata brasileiro. A herança racista da colonização brasileira se perpetua para além dos três séculos de dominação de Portugal sobre o Brasil, é uma herança que, assim como o patriarcado, é estruturante da nossa sociedade e o seu enfrentamento exige de nós, mulheres feministas antirracistas, uma luta articulada para a derrubada da condição opressora da sociedade brasileira: patriarcal, classista e racista.

Dentro do debate do feminismo, é preciso reconhecer o privilégio presente das mulheres não negras. Numa escala de direitos e conquistas, as mulheres negras estão bem abaixo das mulheres não negras. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), as desigualdades raciais são mostradas tanto na busca por um emprego quanto nas competições sociais por espaços de poder, as quais podem estar presentes nas condições de proprietárias de uma empresa, posições de gestão e chefia.
No caso das mulheres negras, elas estão inseridas em um contexto das desigualdades básicas provocadas pelo racismo e pelo patriarcado. Se for presenciar uma reunião de trabalho com gestores dentro de uma organização, na maioria das vezes não existe a presença de uma pessoa negra e, no caso do recorte de gênero, a situação segue mais complicada, não havendo a representação de uma mulher negra, na maioria dos casos.
As mulheres se organizaram e a luta atravessou gerações. A política de cotas, conquista da luta antirracista no país, possibilitou que muitas vozes negras se tornassem artigos, pesquisas, produções científicas. As lideranças negras feministas em trabalhos sociais vêm crescendo, com foco na pauta de direitos humanos direcionada às especificidades das mulheres negras. Porém, muitas vezes, esses trabalhos sociais são renegados ao segundo plano pelos homens, inclusive os negros.
O movimento feminista no Brasil deve sempre destacar a importância de se tratar dos preconceitos e discriminações que as mulheres negras passam, cuidando para que o movimento não reproduza a supremacia branca existente na sociedade. Tendo como referência o que disse a antropóloga e professora Lélia Gonzalez: “a tomada de consciência da opressão ocorre, antes de tudo, pelo racial“.
Contudo, mesmo com esses obstáculos, as mulheres negras se destacam em lutas que atingem diretamente o próprio opressor, nas diferentes formas de atuação. As ações acontecem em situações de posses de terras que lhes são de direito (como no caso das comunidades quilombolas) e uma funcional organização comunitária, principalmente nas questões relacionadas às mulheres da periferia. Também se destacam os trabalhos na área de educação, por meio do processo de inclusão de pessoas negras nas universidades, e sua permanência nesses espaços, e na área de saúde da população negra.
Diante de todo esse contexto, percebe-se a necessidade de representatividade da mulher negra dentro da sociedade e, fazendo o recorte de gênero, de uma nova visão e conscientização do que é ser racista, de se colocar no lugar do outro e de não colonizar seu lugar de fala.
A forma racista de representação das mulheres negras na mídia, pela apropriação da imagem de negras consideradas belas pelos padrões da sociedade, altas e magras, colocando esse perfil como “aceitável”, não tem ajudado nessa representatividade, pois reforça um estereótipo deturpado da mulher negra. Ainda nesse contexto, utiliza-se muito da hiperssexualização da mulher negra, colocando-a como objeto sexual e de satisfação masculina. Nesse caso, ressalta-se que há um perfil de mulheres negras que são mais sexualizadas, as de tom de pele mais claro e de cabelo cacheado ou encaracolados ao invés de crespos.
Muitas vezes, a mídia enfatiza que as mulheres negras não fazem parte dos padrões de beleza aceitáveis pelo senso comum da sociedade, mostrando essa assimetria como algo normal, isento de uma problemática. A mídia vincula as mulheres como objeto de consumo, porém, no caso das mulheres negras, a situação é ainda pior.
O patriarcado tem bases ideológicas semelhantes ao racismo, focando na superioridade do homem e na inferioridade da mulher. Nesse ínterim, prevalecem ideias hegemônicas de uma elite masculina branca, a qual detém a maior parte dos direitos reconhecidos e goza de uma extensa esfera de oportunidades.
Dentro das universidades, há pesquisadores que tomam para si o lugar de fala do povo negro, o que é bastante problemático. Em suas pesquisas, muitas vezes opinam sobre experiências pelas quais não passam, deixando de lado a necessidade de vivenciar determinado tipo de discriminação e de preconceito para que se possa tirar conclusões sobre a melhor forma de atuação.
Dessa forma, ressalta-se que não há como considerar apenas o conhecimento advindo do ambiente acadêmico, pois muitas vezes, na prática, as mulheres negras pautam suas ações em ambientes nos quais as pessoas apresentam diferentes formas de vulnerabilidade.
Assim, as mulheres negras trazem importantes contribuições as lutas feministas e antirracistas, entre elas: as experiências diárias, as lideranças comunitárias, o trabalho das escritoras, as manifestações das empregadas domésticas, a atuação de ativistas pela abolição da escravidão e pelos direitos civis e as manifestações de cantoras e compositoras de música popular.
Reafirmar as pautas das mulheres negras é fundamental para traçar estratégias de luta do movimento. Os temas fundamentais debatidos e defendidos pelas mulheres negras feministas são: o legado de uma história de luta; a natureza interligada de gênero, raça e classe; o combate aos estereótipos ou imagem de controle; a atuação como mães, professoras e líderes comunitárias; a luta por justiça reprodutiva. E é dentro desses temas que a Marcha Mundial das Mulheres organiza sua militância e marcha com mulheres negras, latinas e caribenhas para a construção do bem viver. Marchamos para viver, resistimos para transformar!

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