*Por Helena Zelic
“eu só queria namorar você
mas preciso manter um olho
aberto
prever o encontro
com monstros
alguém precisa nos manter
vivas”
trecho do Poema de olhos abertos
Hoje é Dia da Visibilidade Lésbica e temos pouco a comemorar. A chegada de Bolsonaro ao poder trouxe consigo uma onda de violência conservadora que nos últimos tempos encontrava menos respaldo na sociedade. “Toma cuidado na rua, hein, as pessoas estão mais violentas” se tornou uma frase clássica dita por quem quer nossa segurança.
Essa onda conservadora ganhava terreno na sociedade aos poucos, através de discursos que nos colocavam, mulheres, LGBTs, negras/os em luta, como o inimigo social, um pequeno grupo autoritário que pretende impor suas práticas imorais sobre a sociedade. Bolsonaro disse que a minoria tem que se curvar à maioria – não se referia, claro, à minoria de ricos do país, que vem explorando nosso trabalho, roubando tudo o que temos. Foram espaço para isso a grande mídia (quem não lembra da “bela, recatada e do lar?”), as redes sociais, certos espaços de caráter religioso, as manifestações da direita, o congresso onde rolaram tantos discursos contra a ideologia de gênero… vários espaços comandados por homens e pela circulação do capital.
A estratégia tem sido a do moralismo mentiroso, a da violência, da tentativa de “conversão” e da exclusão. Vimos morrer Luana Barbosa, Marielle Franco, e todos os dias nos deparamos com ameaças que geram isolamento e medo. Querem nos reprimir, oprimir e deprimir.
Soma-se a isso a precariedade da vida: quantas mulheres lésbicas pobres, sem apoio da família, fora dos padrões da feminilidade, não devem estar sofrendo na pele com o desemprego (que atinge principalmente a juventude) e aceitando trabalhos precarizados invisíveis, sem direitos, que pioram exponencialmente com a já aprovada Reforma Trabalhista?
Essa conjunção de fatores indicam que o conservadorismo e as políticas econômicas neoliberais estão, agora, caminhando juntas, no Brasil e em muitas partes do mundo. O conservadorismo não é apenas cortina de fumaça, ele é a própria política, ele é parte fundante da engrenagem deste projeto que precisamos derrotar.
Por isso, é preciso que sejamos muitas na luta diária por uma outra sociedade e uma outra economia – que, na prática, significa uma outra forma de viver a vida. É preciso que estejamos mais juntas do que nunca, que não deixemos nossas pautas caírem no esquecimento e, ao mesmo tempo, que não aceitemos as caixinhas setorizadas que tentam nos impor.
Nós, mulheres lésbicas, feministas, sabemos que o mundo em que queremos viver não é este onde vivemos. Ao longo de nossas vidas, fazemos descobertas que desafiam a ordem patriarcal. São faíscas muito combativas. O feminismo que construímos, militante, anticapitalista, nos faz criar laços de solidariedade, senso de justiça e humanidade, desejos de igualdade e de liberdade que ultrapassam o âmbito individual. A sexualidade que experimentamos, em suas múltiplas maneiras, também nos faz repensar o que é (e como deveria ser) o amor, o corpo, o sexo, a liberdade; e nos faz querer um mundo onde essas palavras (e tantas outras) não sejam atravessadas por violências e imposições.
*Helena Zelic é militante da Marcha Mundial das Mulheres em São Paulo.
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