*Por Mari Malheiros
Feminicídio. Machismo. Empoderamento. Nunca antes na história desse país se falou tanto em violência contra as mulheres, mecanismos para o seu combate e a necessidade de que as mulheres sejam “empoderadas” para enfrentar esses problemas.
Todos os dias, os noticiários narram casos de violência contra as mulheres e, ao mesmo tempo em que há um desprezo e uma minimização desses crimes, também se vê um repúdio e ojeriza cada vez mais forte às violências vivenciadas pelas mulheres. Não a toa, grandes empresas e multinacionais estão aderindo cada vez mais às ideias de empoderamento feminismo. “Mulher, você pode”, “mulher, você consegue sair das situações de violência”.
Ao mesmo tempo em que é fundamental falar dessa temática, principalmente no cenário das redes sociais em que mais e mais mulheres se afirmam feministas, também é preciso questionar o modelo de feminismo liberal que vem ganhando mais força com essa exposição e apropriação de nossas pautas por grupos que combatem a ponta do iceberg, mas não enxergam as estruturas que o sustentam.
Já vi atos pelo fim da violência contra mulheres conduzidos por políticos e empresários que abertamente apoiaram Bolsonaro. Nesses atos, eles querem aplausos pelo óbvio (sim, eles acham que são muito “desconstruídos” porque não batem em mulheres) e nos negam direito de fala. Nós, que sempre denunciamos a violência que vivemos em nossos corpos e nossas vidas, somos silenciadas por essas pessoas que encontraram uma forma de lucrar com nossas lutas.
O machismo, o preconceito racial e a violência física são consequência do patriarcado e do racismo. Todavia, falar em patriarcado é falar na estrutura milenar que delegou o espaço doméstico às mulheres e fundamenta o domínio dos homens sobre nossos corpos, trabalhos e vidas. Falar em racismo é falar no sistema que colocou o homem branco como superior e justificou por séculos a escravização de negros/as e indígenas.
Se o feminismo liberal questionar o patriarcado e o racismo, também terá que questionar o porquê de mulheres receberem salários inferiores aos homens, o porquê as profissões compostas majoritariamente por mulheres serem as menos valorizadas e, principalmente, o porquê do trabalho doméstico ser invisibilizado deliberadamente, o porquê de mulheres negras sofrerem mais feminicídios do que as brancas, o porquê de mulheres negras serem mais precarizadas e empobrecidas.
O discurso “woman, you can” reduz a luta das mulheres e produz grandes lucros com a sua comercialização. Cada vez mais empresas estão vendo um mercado lucrativo com o “empoderamento” das mulheres: camisetas, maquiagem, perfumes… Ser empoderada tem um custo, e, ainda que se apresente contra o machismo, mantém o capitalismo patriarcal e racista cada vez mais intacto.
O feminismo popular que construímos na MMM nos convida a encararmos a luta pelo fim da violência contra as mulheres como mais que uma luta em que as mulheres precisam se “empoderar”.
Não adianta assumir uma postura individual de mulher empoderada enquanto milhões e milhões de mulheres sofrem a violência estrutural da invisibilização do trabalho doméstico, de submissão a empregos precarizados, da vivência na economia informal, da falta de acesso à políticas publicas de saúde, educação, moradia e assistência social.
Não adianta usarmos camisetas de grandes empresas com frases de efeito feminista se não nos preocupamos com a dona Maria, que vive no interior desse país, e teve o acesso ao bolsa família cortado, ficando mais suscetível ao domínio de José, seu marido.
Não adianta um discurso bonito contra o machismo e o preconceito racial se nos omitimos frente as ações desse governo misógino, que trata a aposentadoria das mulheres mais pobres como privilégio, que reduziu praticamente a zero os investimentos em políticas públicas de combate à violência contra mulheres, que trata nossas pautas como “ideologia de gênero” que deve ser enfrentada a partir de fundamentalismos religiosos e que nega que vivemos ainda hoje as consequências de 400 anos de escravização dos povos indígenas e africanos.
Cada vez mais precisamos saber quem usa nossas pautas para promoção pessoal, reduzindo-as aos interesses do capitalismo, do patriarcado e do racismo, denunciando que o enfrentamento à violência contra as mulheres precisa ser antissistêmico.
Nosso feminismo é um feminismo que promove a autonomia que leva ao engajamento coletivo. O feminismo é uma luta coletiva, pela vida de todas as mulheres. “Até que todas sejamos livres”, principalmente das correntes do capitalismo, racismo, heteronormatividade e patriarcado.
*Mari Malheiros, militante da Marcha Mundial das Mulheres do Paraná
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