Rodrigo Hilbert e as masculinidades parceiras que merecemos

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Por Gabriela Monteiro*

Não sei se aconteceu alguma coisa em especial, mas a timeline esses dias tá cheia de gente falando bem x falando mal do Hilbert. Não lembro quem disse que o mundo se divide em dois tipos de pessoas: aquelas que dividem o mundo em dois tipos de pessoas e as que não. Mas divago só pra dizer que tou definitivamente com o mulherio que se derrete pelo Hilbert (e somos muitas) e vou contar uma história para explicar porquê.

Uma senhora da zona rural lá do meu interior havia sofrido violência a vida inteira. Teve várias crianças porque era estuprada pelo próprio pai desde menina. Essa mulher enfrentou uma longa jornada para conseguir se libertar de violências que é difícil até acreditar que aconteçam, e mesmo hoje me dá um nó na garganta pensar em tudo que se passou com ela. Mas as mulheres são resistentes e ela conseguiu promover muitas mudanças na sua vida. Anos depois, foi convidada para falar sobre enfrentamento a violência contra a mulher num evento em outro estado e viajou junto com companheiras nossas, feministas rurais do MMTR-NE.

Chegando na casa de uma de nossas lideranças, ela ficou impressionadíssima foi com o marido da nossa companheira. Maravilhada. E por que isso? Porque é um homem que fica em casa e cuida da casa, do filho e do roçado enquanto a mulher sai viajando mundo afora pra fazer política, assumindo cargo, assumindo representações, visibilidade, ganhando poder. Se fosse uma situação contrária, era tão comum que ninguém ia nem reparar. Mas o fato é que eu mesma nunca conheci um cara solidário como ele. E imagine então para essa senhora o que significou ter uma referência de masculinidade sadia e verdadeiramente generosa.

Todas as vezes que se juntam mulheres bis e heteras para falar sobre seus relacionamentos amorosos com homens, é pra partilhar estratégias de como lidar com o abuso nosso de cada dia. As masculinidades tóxicas envenenam a vida das mulheres. Nós estamos sempre sobrecarregadas: seja com o trabalho de cuidado, o trabalho doméstico, o trabalho emocional. Geralmente um relacionamento “harmonioso” implica numa mulher que está exausta, maternando todo mundo inclusive o boy, reprimindo suas demandas emocionais em detrimento das mil demandas de todo mundo ao redor. E homem hetero é aquela coisa: dá chilique, por tudo tem raiva, um ego enorme, ficam muito ofendidos se você aponta o machismo. Tem que tomar cuidado o tempo todo com essas criaturas frágeis.

Daí chega um Hilbert pintando o 7 e bordando o 8 e os caras tão tudo #xatiados. O que Hilbert faz a gente conhece inúmeras mulheres que fazem muito mais? Sim. Hilbert é um cara branco e rico cheio de privilégios? Sim. Ômi merece biscoito por fazer a sua parte? Não. Mas vamos lá: Não vi em nenhum momento ele fazendo fala de roubar protagonismo das mulheres, ao contrário, tá sempre dando mérito ao mulherio da vida dele (um filho desses, gente!). Violência contra a mulher é um negócio super democrático: até mulher branca e rica sofre. O cabra pode ser de esquerda, pode ser da capoeira, pode ser o mais engajado politicamente, discurso bonito etc. Vai olhar de perto e vê o que ele faz com a companheira dele. Nos alegrarmos com a possibilidade de existir masculinidades parceiras não é dar medalha a ninguém, é porque isso é que nós desejamos viver, poxa! Relações de poder menos assimétricas, partilha nas responsabilidades. Tá mais do que na hora de termos referências saudáveis de masculinidade.

Cena que todo mundo já viu: família no natal. A mulherada feito louca na cozinha, passou o dia atarefada mas ainda deu um jeito de fazer as unhas, depilar, dá um tapa no picumã etc. Porque ainda tem isso, não bastasse a gente ter que fazer tudo, ainda termos que ser bonitas e magras. A macharada peluda na sala tá vendo a globo, tomando cerveja, cada bucho maior que uma bola de futebol, bem de boas. Se muito fizeram tomaram um banho, porque tem ômi que nem o pinto sabe lavar. Aliás, auto-cuidado não é o forte deles, não tomam conta da própria saúde e jogam mais isso na conta das tarefas das mulheres. Aí vem o Hilbert cozinheiro-serralheiro-marceneiro-cuida-das-crianças-e-ainda-faz-yoga. É, macharada, e vocês aí achando que eram a última coca-cola do deserto porque de vez em quando lavam um pratinho pra dizer que “ajudam”. Pisa menos, Hilbert.

Lá em casa eu e minha irmã ficamos encantadas de ver o Hilbert na TV, que nem a senhora do começo da história ficou quando viu que um homem pode agir de forma decente com as mulheres. E se vocês pensam que isso é besteira é porque nunca prestaram atenção na quantidade de frustação, abandono, mágoa e sobrecarga que as mulheres ao seu redor estão lidando. O Rodrigo Hilbert não precisa ser um padrão (e olhe que de viver sob as pressões impossíveis dos padrões nós mulheres entendemos. Por isso mesmo não desejamos pra ninguém): ele pode ser uma referência. E tomara que muitas outras referências de masculinidades parceiras apareçam e façam parte do nosso cotidiano.

Eu quero mais é que todas as minhas amigas bis e heteras tenham oportunidade de se relacionar com boys-Hilbert. Que meus tios sejam maridos mais Hilberts pras minhas tias. Quero que ir pra casamento de noivo Hilbert (até já fui e em fevereiro vou novamente, amo!). Quero topar com um Hilbert pra mim também, eu bem que mereço experimentar uma relação hetera em que o trabalho afetivo e a comunicação sejam de responsabilidade das duas pessoas. Todas nós merecemos. No meu caso eu só peço à orixá que o meu me mande com um pouquinho mais de melanina (rs).

E os homens quando nos virem suspirando pelo Hilbert, saibam: Não é porque o cara é branco, rico e bonito. É porque a gente tá cansada de sofrer violência – e vocês têm responsabilidade nisso.

* Gabriela Monteiro é negra, militante do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE) e da Marcha Mundial das Mulheres.

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