*Por Fabiana Oliveira e Luiza Mançano Gomes
Sobre invisibilidade sabemos tanto, que às vezes as palavras fogem e só encontramos umas nas outras respostas e força para enfrentar, cotidianamente, o machismo, a lesbofobia, o patriarcado e o capitalismo. É impossível e descabido desconectar o debate sobre a nossa sexualidade, “desviante da norma”, do padrão imposto pelo sistema capitalista e patriarcal, profundamente amarrado ao ideal de família, em que as relações de poder entre homens e mulheres mais cruelmente se reproduzem.
O ideal de família fundamenta a concepção de que as mulheres devem ser relegadas aos “espaços privados”. Sendo as responsáveis pela reprodução da vida, trabalhamos arduamente em funções não remuneradas, invisíveis, vistas somente quando não são feitas. Neste ideário, seriam os homens os provedores, reafirmando mais uma vez o não-reconhecimento do trabalho doméstico e de cuidados. É imprescindível, ao capitalismo, forjar uma sexualidade dominante, em que esse padrão comportamental é estrutural e estruturante.
Também é preciso reconhecer que o imaginário coletivo sobre as mulheres lésbicas esteve e está embebido da (milionária) indústria pornográfica, em que fomos objetificadas e violentadas de muitas maneiras distintas. A nossa sexualidade somente é “aceita” quando comercializada para consumo dos homens. Somos, no capitalismo, objeto de controle do sexo masculino. Aquelas que não se encaixam no padrão consumível pela indústria pornográfica e pelo comércio, de maneira geral, são mulheres destutuídas, parcialmente, da própria condição de mulher. Parcialmente, porque embora sejam estigmatizadas como mulheres que desejam ser homens, que reproduzem o pior do papel da masculinidade, continuam sendo seres humanos e políticos de segunda ordem, o “segundo sexo” sujeito a correção.
A ideia de que a lesbianidade é uma orientação a ser corrigida começa no discurso. “Você vai aprender a gostar de homem” ou “só é sapatona porque ainda não foi pega de jeito”. O falocentrismo, esse gigante, também endossa os questionamentos sobre a sexualidade que não reproduz e, portanto, não interessa ao capitalismo, a não ser para pornografia. “Mas, o que as lésbicas fazem na cama?”, “termina nas preliminares?”. A misoginia, ódio ao corpo e a vida das mulheres, passa por odiar cheiros, formas e práticas. É inaceitável, para a sociedade heteronormativa em que vivemos, que é possível amar, de fato, as mulheres. Amor que não possa ser confundido com objetificação, controle ou posse, embora no capitalismo todas as relações sejam, em graus e de maneiras distintas, relações de poder.
Há poucos (quase nenhum) dados sobre as violências específicas a que as lésbicas estão submetidas. Uma estatística desatual, datada de 2013, afirma que 6% dos casos de estupro notificados nacionalmente seria dos chamados “estupros corretivos”. A subnotificação dos estupros, de maneira geral, já é consensual entre nós, visto que a maior parte deles acontecem justamente dentro dos lares, nos núcleos familiares, mas, de todo modo, é preciso debater sobre o controle sobre os nossos corpos e as nossas vidas.
Na história do feminismo, a afirmação do lesbianismo não foi algo que se deu sem conflito e até hoje é algo conflituoso, que passa pela necessidade de reconhecê-lo não só como uma forma de sexualidade válida, mas por reconhecer que amar mulheres em uma sociedade patriarcal e heterossexual é revolucionário, por questionar os modelos impostos impostos, já que desde cedo meninas aprendem que devem gostar de meninos, em que nossa sexualidade e afetividade é direcionada para os homens e ensinadas a odiar e competir uma com as outras.
29 de agosto é o dia Nacional da Visibilidade Lésbica, surgido como encaminhamento do 1º Seminário Nacional de Lésbicas, em 1996. Dia em que devemos denunciar a invisibilização das nossas pautas, o estranho incômodo que causamos nos espaços políticos, mesmo os feministas e a violência lesbofóbica, machista e racista que sofremos cotidianamente.
Lembraremos sempre Luana Barbosa.
Neste dia, devemos também para celebrar o amor entre mulheres, a nossa sexualidade e expressar nosso potencial criativo, de criar nossas próprias histórias, como sujeitas ativas na história do feminismo, que ousaram questionar a heterossexualidade como modelo, como norma.
O 29 de agosto de 2016 tem o gosto àspero da misoginia que destituiu a primeira mulher eleita para presidência do nosso país, por meio de um golpe. Mulher que teve sua sexualidade e capacidade política questionadas, como todas nós tivemos em algum momento.
Esse golpe, a violência e a invisibilidade lésbica nos coloca a urgência da necessidade de reafirmar a auto organização como forma de enfrentamento a todas as formas de opressão e preconceito. Amar (e lutar) sem Temer é nosso direito!
*Fabiana Oliveira é militante da Marcha Mundial das Mulheres de Campinas-SP. Luiza Mançano Gomes é militante da Marcha Mundial das Mulheres de São Paulo-SP
Deixe uma Resposta