Por Bianca Pessoa*
Duas coisas que aconteceram comigo na semana passada me fizeram pensar muito sobre a capacidade das mulheres. Vocês vão entender…
A primeira coisa me aconteceu quando eu estava chegando em casa após um dia de trabalho e aulas. A rua onde moro tem pouco movimento de carros, mas justo quando eu estava chegando, um homem em outro carro passou por mim, baixou o vidro e me disse “tá na hora de tirar a carteira de novo!”. Eu estava do lado contrário da rua, de fato, mas estava lá porque eu ia estacionar o carro na garagem e para fazer isso, inevitavelmente, eu preciso ir para o lado contrário da rua. Para o homem, pouco importava o que eu estava fazendo. Ele queria mesmo era afirmar sua posição e para isso, parou tudo (literalmente) e veio me dizer o que eu precisava fazer. Sabe o que é pior, ele estava com o filho dele no carro, uma criança de no máximo oito anos que já estava aprendendo como ser esse tipo de homem.
A segunda coisa que me aconteceu foi no dia seguinte ao episódio do carro que já havia me deixado extremamente furiosa. Eu estava no shopping, feliz da vida procurando presentes para meu pai e meu avô, quando um homem que estava com um capacete de moto amarrado na mochila passou por mim com tudo e bateu com o capacete na minha barriga. Doeu pra caramba e eu olhei pra traz tentando entender o que havia acontecido. Ele olhou pra mim de volta e soltou: “olha pra frente!”. Então quer dizer que eu estava errada por não estar olhando pra frente, quando na verdade eu estava, e não ele que estava andando com aquela coisa sem se importar se ia bater em alguém… É f@da, né?
Depois desses acontecimentos, eu me senti tão frustrada que nem posso explicar. Sei que parece besteira, afinal esse tipo de coisa acontece todos os dia, mas imagina o quanto as mulheres são reprimidas mesmo quando não estão fazendo nada de errado. É absurdo! Eu parei para pensar nisso também porque havia lido na mesma semana um capítulo do livro Faça Acontecer, de Sheryl Sandberg (Companhia das Letras, 2013), que falava justamente sobre isso. O título faz com que a gente ache que o livro é uma parada meio de autoajuda, né? Mas não é nada disso. Ela até explica na introdução: “Este livro não é uma autobiografia, embora eu tenha incluído fatos da minha vida. Não é um livro de autoajuda, embora eu realmente espere que ajude. Não é um livro sobre gestão de carreira, embora eu dê alguns conselhos nessa área. Não é um manifesto feminista – bom, até é uma espécie de manifesto feminista, mas eu espero que também sirva para homens”. As situações e a leitura alimentaram muito o meu pensamento durante a semana passada.
Paremos para pensar sobre o primeiro caso, o do homem que me mandou tirar a carteira de motorista novamente. Eu tenho bastante confiança na minha capacidade de dirigir. Fiz uma boa autoescola e sempre tive ajuda técnica de meu pai, que é um excelente motorista. Entretanto, sabemos que essa não é a regra geral. Uma pesquisa rápida no Google me ofereceu várias opções de artigos que dizem que mulheres são as que mais sofrem com medo de dirigir. Imagina como deve ser para uma mulher que não se sente segura na direção ouvir um comentário como esse que o homem fez pra mim. Ainda mais traumatizante, certo?
Devemos perceber, no entanto, que as coisas vão muito além da questão de que as mulheres têm mais medo de dirigir em comparação aos homens. Historicamente, mulheres tiveram menos acesso a educação formal. Até pouquíssimo tempo atrás era esperado dos homens a formação e o trabalho que serviria de sustento às famílias, enquanto que as mulheres ficavam responsáveis em administrar as questões do lar. Hoje em dia, esse padrão é um pouco diferente e, no Brasil, mulheres com 25 anos ou mais que estudaram por mais de 11 anos somam 44,5% da população, taxa maior que a dos homens. Mas, apesar de existirem mais mulheres com maior nível de instrução, 57% das empresas e companhias brasileiras não possuem mulheres em cargos de liderança. A pesquisa feita pela Women is Business 2015 com 150 empresas no Brasil apontou um dado ainda pior: nenhuma das empresas possuía mulheres na presidência ou vice-presidência.
E o que isso tudo tem a ver com as situações que passei e com o livro da Sheryl Sandberg?
Sheryl explica em seu livro como as mulheres são desestimuladas a ocuparem cargos de liderança e como isso acontece de várias formas: desde o comentário desestimulador do companheiro de trabalho (como o homem que insinuou que eu não dirijo bem), a processos mais formais como a maior valorização das conquistas de profissionais homens em comparação com as conquistas de profissionais mulheres. Enquanto que, em outra pesquisa realizada na universidade de Harvard, nos EUA, mostrou que 36% dos homens entrevistados se diziam “altamente ambiciosos”, apenas 18% das mulheres se colocaram nessa posição. E a verdade é que a figura de uma mulher muito ambiciosa ainda é algo extremamente negativo na nossa sociedade. A citação da própria Sheryl explica que “mulheres agressivas e que jogam duro transgridem regras tácitas da conduta social aceitável. Os homens são constantemente aplaudidos por serem ambiciosos, poderosos, bem-sucedidos, ao passo que as mulheres com as mesmas características costumam pagar um preço social por isso” (pág. 31). Deu pra entender o que estou querendo dizer?
A pergunta é: até quando vamos nos intimidar e deixar de atingir nossos objetivos por essa cultura de dominação masculina? Isso porque ainda é tendência que mulheres altamente qualificadas abandonem suas posições no mercado de trabalho. Imaginem como é a situação de mulheres não qualificadas, então… Uma tragédia!
Esse texto não vem para responder perguntas, vem para fazer perguntas. Pergunto-me o que fazer, como influenciar positivamente minhas companheiras de faculdade, de trabalho, as mulheres da minha família, como combater esses dados tristes e alarmantes e principalmente, como não entrar em um desses dados como mais uma mulher que abdicou do sucesso na carreira ou em qualquer outra área escolhida por todas essas influências negativas. Sei que temos muito mais capacidade do que podemos demonstrar, e não podemos demonstrar por vários motivos, mas espero que a minha geração e as futuras possam utilizar toda essa capacidade em prol de suas vidas e de suas escolhas profissionais e que mais mulheres consigam, enfim, atingir posições de liderança, cargos políticos e tudo mais o que quiserem.
*Bianca Pessoa é militante da Marcha Mundial das Mulheres do Rio Grande do Norte, que não vai deixar de dirigir, nem de estudar e nem de lutar por seus sonhos profissionais.
Obs.: Pesquisei boss no Google Imagens e só apareceram fotografias e ilustrações de homens em posição de liderança. Quando pesquisei boss + woman, o resultado foram imagens do perfume feminino da marca Hugo Boss. Deu pra entender, né?
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