O golpe é uma questão de gênero

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*Por Bianca Pessoa

Quando parei para refletir sobre a atual conjuntura política, me veio à cabeça: o golpe é também uma questão de gênero. No meio de tantas notícias sobre quem fez o que, quando e onde, parei para observar as críticas feitas diretamente à presidenta Dilma. Minha primeira percepção foi nítida: o sexismo é o elemento fundamental de crítica contra o seu governo. Não digo isso à toa. Digo porque boa parte das críticas feitas à figura da presidenta não são sobre sua atuação na política, mas muito mais sobre o fato de ela ser mulher. Vemos isso nos adesivos que foram colados nos carros no ano passado; vemos isso quando sites de notícias publicam matérias sobre suas roupas “inadequadas e fora de moda”; vemos nos comentários repletos de ódio que são publicadas em páginas na internet.

A figura folclórica da mulher “bela, recatada e do lar” entra no lugar da mulher idosa, que lutou contra a ditadura e que ocupa o mais alto cargo existente na política brasileira até agora. Precisamos lembrar que os partidos que patrocinam o impeachment, ou melhor, o golpe, alimentam um discurso fascista e machista e têm suas medidas baseadas no retrocesso dos direitos que foram conquistados com mais de 150 anos de luta feminista no globo e nos últimos 13 anos de governo do PT. A coisa está tão feia que, no dia 24 de março desse ano, a ONU Mulheres divulgou uma nota condenando a violência sexista que vem sendo praticada contra a presidenta Dilma Rousseff: “Nenhuma discordância política ou protesto pode abrir margem e/ou justificar a banalização da violência de gênero”, diz o comunicado, assinado pela representante da entidade, Nadine Gasman.

Feia mesmo a coisa fica quando a gente se lembra de que o mesmo golpe que tira Dilma do poder coloca em seu lugar Cunhas, Bolsonaros e Malafaias. Cunhas que lutam contra a corrupção, mas que têm seus nomes sujos nos processos de investigação e que apoiam medidas como a PL5069 (nós não nos esquecemos dela) que retira alguns dos poucos direitos já conquistados pela mulher brasileira como o acesso a métodos contraceptivos e a realização de aborto gratuito e seguro em casos de estupro. Bolsonaros que dizem que mulher tem que ganhar menos porque engravida e celebram a memória de torturadores, que, a meu ver, os transformam não apenas em inimigos das mulheres, mas em inimigos do todo o povo e que se realizam politicamente por meio do retrocesso das políticas públicas voltadas para a população de renda baixa, da lgbtfobia, do sexismo e do racismo. Esses Bolsonaros ainda impedem, em todas as instâncias, que haja o debate sobre gênero nas escolas e universidades. Os últimos desta lista (que não se encerra aqui), os Malafaias, utilizam um discurso dito religioso para fazer com que as mulheres neguem seus direitos e tenham medo do seu próprio corpo.

Quando saímos do campo da política e passamos a olhar para a vida da mulher trabalhadora encontramos ainda mais problemas. A luta contra o golpe, além da luta pela manutenção da democracia e do governo de Dilma Rousseff, é também uma questão de sobrevivência das mulheres. Os movimentos sociais que colocaram a presidenta no poder correm risco com a possibilidade de um governo dos partidos que estão protagonizando a campanha pelo impeachment. O Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, programas populares que são reconhecidos mundialmente como ferramentas de empoderamento da mulher brasileira, correm risco com o plano de governo do atual vice-presidente Michel Temer. Foi através do Bolsa Família que mulheres passaram a protagonizar a vida doméstica e no trabalho. E, por meio do Minha Casa, Minha Vida, milhares de mulheres no país finalmente tiveram um lugar adequado para morar. Quando as decisões financeiras da família passaram a serem feitas pelas mulheres e não pelos homens, essas mulheres passaram a ter autonomia para se livrar de casamentos abusivos, passaram a ter capacidade de manter seus filhos na escola e de por alimento na mesa. Essas mulheres que obtiveram liberdade financeira pelo programa do governo federal passaram a trabalhar, ter renda própria e a estudar.

Falando em mulheres estudantes, o plano de governo de Michel Temer, o Ponte para o Futuro, que recebe esse nome contraditoriamente, afirma que serão feitos cortes na educação e na saúde, caso entre em vigor. Chamemos a Ponte para o Futuro de atestado de óbito do progresso da educação no país. As mulheres mães sofrerão porque os cortes na educação são em todos os níveis de ensino (municipal, estadual e federal) e seus filhos, que já sofrem no sistema público de educação básica, terão ainda mais problemas. As mulheres que conseguiram acesso à universidade nos últimos anos através de programas como o ProUni e pelas cotas, já sofrem diariamente com a falta de segurança nos campus dentro e fora de sala de aula, com a falta de assistência estudantil, com a falta de creches para seus filhos e com a falta de vagas nas residências. Essas mesmas mulheres que lutam todos os dias pela conquista do diploma terão que enfrentar a perda dos poucos, porém significativos, direitos e, como dito antes, todo o progresso na educação que vem acontecendo no país será tragicamente rompido.

Por todos esses motivos e pelas nossas vidas, nós mulheres, de diversas cores, orientação sexual e classe social devemos nos manter firmes na luta contra o golpe, contra o avanço do discurso machista e fascista, contra os líderes da campanha pelo impeachment, pelo avanço da democracia e pela garantia dos nossos direitos.

Independente da votação no senado, não vai ter arrego! Vai continuar tendo luta! Vamos todas juntas combater Cunhas, Bolsonaros e Malafaias para mudar a política, pois é mudando a política que podemos mudar a vida das mulheres e mudando a vida das mulheres nós mudamos a política e assim continuaremos até que todas estejam livres.

*Bianca Pessoa é militante da Marcha Mundial das Mulheres do Rio Grande do Norte e escreve para o Blog da Pessoa

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