*Por Ana Luisa Machado e Julia Dias
De 25 a 31 de agosto, 1.600 mulheres de 48 países estiveram reunidas no Memorial da América Latina, em São Paulo, para debater acerca da trajetória e das estratégias do feminismo. O Encontro é auto-organizado (ou seja, com a participação exclusiva de mulheres) como forma de empoderamento da mulher, uma vez que é notória a ausência feminina em diversos espaços, principalmente políticos. Ao longo desses dias foi possível perceber a pluralidade e o alcance do movimento, que agregou mulheres indígenas, sindicalistas, professoras, universitárias, … das mais diversas faixas etárias. Conhecer senhoras que militam desde sua juventude nos mais diversos movimentos sociais foi importantíssimo para dar ânimo a nossas próprias militâncias, em especial tendo a certeza de que estas não precisam se findar com a obtenção de nossos diplomas (e nem podem!).
A Marcha Mundial das Mulheres tem suas origens no Quebec, Canadá, quando em 1999 ocorre uma manifestação pública feminista com o lema “pão e rosas”, como resistência contra a pobreza e violência. Ao seu final, diversas conquistas foram alcançadas, como o aumento do salário mínimo, mais direitos para as mulheres imigrantes e apoio à economia solidária. Esse contexto exemplifica perfeitamente quão abrangente é a luta feminista e como a luta contra o patriarcado (estrutura que estabelece relações de hierarquia e desigualdade de gênero) não significa se limitar a tratar o papel da mulher na sociedade. O feminismo, em linhas bem gerais, busca uma sociedade mais igualitária, ausente de intolerâncias (como racismo, machismo, homofobia) e com a presença de um Estado em que a democracia não signifique apenas o direito ao voto, e sim a ocupação dos espaços públicos e a garantia de serviços públicos de qualidade para todos e todas.
No que se refere ao evento propriamente dito, ele foi composto por diversos espaços de formação e de expressões culturais e artísticas ao longo da semana, sendo finalizado no sábado com um ato que ocupou as ruas de São Paulo com a batucada feminista e a presença de 4 mil mulheres. Foram discutidas as mais diversas esferas do feminismo, algumas até então desconhecidas por nós, como a militarização e a alternativa feminista a ela. A segurança nacional, sob essa perspectiva, não necessariamente passa por essa militarização, a qual, além de gerar altos custos ao governo, é um legado dos regimes autoritários latino-americanos e permite impunidade quanto ao desaparecimento de pessoas negras e pobres das favelas (um exemplo extremamente recente é o “onde está o Amarildo?”).
No debate sobre a despatriarcalização do Estado reforçou-se as características deste tal como citadas anteriormente nesse texto e que essa despatriarcalização implica também numa laicização estatal. Debateu-se, ainda, dos desafios enfrentados pelas mulheres na busca por seu empoderamento, em que a falta de uma construção da política de divisão social do trabalho é marcante por restringir as possibilidades no mercado de trabalho para aquelas que têm jornada dupla, ou seja, que são trabalhadoras e mães ao mesmo tempo. Nesse sentido, reconhecemos que a entrada da mulher nesse mercado foi uma conquista fundamental, mas questionamos a respeito de quão libertadora ela realmente foi. A temática da cultura como contra hegemonia também foi trazida como forma desse empoderamento. O Festival “Mulheres no Volante”, de Juiz de Fora, problematizou o machismo na música e, dessa forma, acontece com banda que tenham pelo menos uma mulher tocando qualquer instrumento que seja.
O evento contou com outras problemáticas como a visibilidade lésbica, prostituição, aborto, democratização da comunicação, educação não sexista e diversas outras igualmente impactantes. Realizado pela primeira vez no Brasil, marcou o encerramento do mandato brasileiro no Secretariado Internacional da MMM e a eleição da próxima gestão, que agora será da MMM de Moçambique. As militantes também começaram a organizar a 4ª Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres, que acontecerá em 2015. As ações internacionais da Marcha são realizadas de 5 em 5 anos.
Sobre a nova gestão da Marcha, é válido fazer um rápido relato. Uma mulher diz a uma moçambicana como o fato da secretaria da Marcha ir para lá será extremamente positivo para o movimento. A outra, por sua vez, responde com brilho nos olhos e um sorriso maravilhoso dizendo que, apesar de concordar, acredita que será melhor ainda para a África. Bem, isso poderia ter sido só mais uma conversa que se escuta enquanto espera a fila do banheiro – e você pode até pensar, enquanto lê, que não tem nada demais nesse relato. Para nós, entretanto, ele significou acreditar ainda mais nos movimentos sociais e na força que temos enquanto transformadores da sociedade. Por isso, “seguiremos em marcha até que todas sejamos livres!”
*Ana Luisa Machado e Julia Dias são militantes da Marcha Mundial das Mulheres em Uberlândia.
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