Por: Camila Paula*
“Queremos alimentos sem agrotóxico, mas também sem o sangue das mulheres”. É o que diz Francisca Lima, mais conhecida como Neneide, que faz parte da coordenação da Rede Xique Xique e é militante da Marcha Mundial das Mulheres. Neneide, assim como as mulheres que resistem na Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, defende a edificação de um modelo de vida e produção que tem como tripé o feminismo, a agroecologia[1] e a economia solidária, um modelo que considere os valores humanos e não os do mercado explorador, a fim de que homens e mulheres possam caminhar lado a lado na construção de um mundo melhor.
A fala citada ocorreu ontem (24/10/13), durante uma roda de conversa, dentro da programação da Caravana Agroecológica e Cultural da Chapada do Apodi[2], na rota Romana Barros. A Caravana visitou experiências de associações de mulheres da Rede Xique Xique que trabalham com agricultura, pesca, beneficiamento do pescado e artesanato nas cidades de Tibau e Grossos (RN).
A Rede Xique Xique é organizada em 12 núcleos municipais do estado do Rio Grande do Norte, produzindo, comercializando e consumindo agroecologia, se organizando em feiras, formações e articulações com os movimentos sociais como a MMM, os fóruns de economia solidária e outras redes agroecológicas. Tendo mais de cinquenta grupos articulados e com uma produção bastante diversa, os grupos de mulheres representam em média 50% dos que integram a Rede.
Tatiana Muniz, atual presidenta da Rede Xique Xique, falou sobre a importância de as mulheres estarem organizadas para geração de renda e nas lutas por uma vida sustentável no campo: “Os homens diziam que nós, mulheres, não sabíamos fazer nada. Mas nós nos organizamos na Marcha Mundial das Mulheres, nas cooperativas, nos sindicatos, geramos renda e fazemos as lutas junto com os homens. Nós somos importantes para que as coisas aconteçam”.
Ainda falando sobre a rede, Neneide explica que “mesmo com todas as dificuldades que a gente enfrenta, como a falta de condições pro trabalho, o machismo, que quer obrigar as mulheres a ficarem apenas nos trabalhos domésticos, subjulgadas às vontades dos homens, e a briga pelo direito às terras, a agroecologia, o feminismo e a economia solidária são respostas para nossas vidas”.
Na avaliação das experiências vividas na rota, Ana Cristina (MG), participante da Caravana, falou que se sentiu “fortalecida de ver que existem mulheres com tanta força e homens que acreditam nessas mulheres fazendo a verdadeira agroecologia”. Porque construir um modelo antagônico às práticas conservadoras, latifundiárias, autoritárias, patriarcais e neoliberais do agronegócio consiste em respeitar a terra e as pessoas que vivem nela/dela, e isto não é possível sem a organização e autonomia das mulheres.
Essas e outras experiências agroecológicas e informações sobre a Caravana Agroecológica e Cultural da Chapada do Apodi estão no site: www.caravanaagroecologicaapodi.wordpress.com.
* Camila Paula é atriz, poetisa e militante da Marcha Mundial das Mulheres do Rio Grande do Norte.
[1] Agroecologia é uma abordagem da agricultura que integra diversos aspectos agronômicos, ecológicos e socioeconômicos sobre a produção de alimentos e na sociedade como um todo. É um conjunto de técnicas e conceitos que surgiu em meados dos anos 90, e visa a produção de alimentos mais saudáveis e naturais. Tem como princípio básico o uso racional dos recursos naturais.
[2] Caravana Agroecológica e Cultural da Chapada do Apodi: encontro nordestino de agroecologia sediado na cidade de Apodi, entre os dias 23 e 26 de outubro. Tem como objetivo promover o intercâmbio de experiências agroecológicas em preparação para o III Encontro Nacional de Agroecologia, que acontecerá em Juazeiro (BA), em 2014. Visa também denunciar as ameaças do projeto de Perímetro Irrigado de Santa Cruz, do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), que pretende desapropriar mais de 800 famílias da agricultura familiar da região para entregar as terras a cinco empresas do agronegócio.
[…] de desenvolvimento multilateral, que financiam cada vez mais projetos nos quais as mulheres são expulsas de seus territórios pelos megaprojetos nas áreas urbanas, pelas empresas extrativistas e pelo […]