Decido, logo existo

Por: Sarah de Roure*

Esse domingo, lendo os jornais da cidade, me encontro com um desses encartes especiais de fim de semana, que apresentava a nova coleção outono-inverno, exposta recentemente por grandes marcas do setor. O texto tratava das texturas, cores, cortes, que fazem mais uma coleção.Sob flashs e muito glamour, especialistas de todo o mundo comentam em suas colunas ou blogs.

Mas, ao final da reportagem, um comentário me chamou a atenção. Alguém do setor dizia que, desde os anos 90, já não existem tendências na moda, cada um escolhe o que quer vestir. Segundo o experto, já não há certo ou errado, mas a moda se tornou um espaço ¨democrático¨. Claro que essa afirmação dá o que pensar, por isso vamos contrastá-la com outro fato.

Pijamas, fui comprar um. Entrei em uma loja de malhas bem antiga da cidade e pedi para ver as opções. Qual não foi o meu espanto ao perceber que todos tinham, ou bonequinhas, ou florzinhas, ou corações, ou toda sorte de motivos infantis estampados. Perguntei se não vendiam para adultos, me disse a simpática vendedora que aqueles eram os modelos de adultos. Fui embora bastante decepcionada e me sentindo incompreendida por aquela jovem.

O que quero questionar aqui não é a necessidade de se lançar uma coleção a cada nova estação, coisa que podemos debater ao pensar nos padrões de consumo. Tampouco quero entrar na discussão, que de fato me parece pertinente, sobre a infantilização das mulheres sob vários aspectos mas sobre tudo nas roupas que nos oferecem.

O que, sim, quero trazer nessas breves linhas, são minhas dúvidas sobre o que de fato significa decidir algo em nossas vidas em meio a essa sociedade de consumo. Onde vou trabalhar? Com quem me relaciono? Onde vou? Quero ou não ser mãe? Como exercer minha sexualidade? Pinto ou nao as unhas (e de que cor!)? Onde vou morar? Que horas posso sair de casa? Essas e outras perguntas vão sendo respondidas no dia-a-dia, algumas vezes meio sem pensar, outras com muito sofrimento e dor. Frente a tantas normas, condutas, possibilidades de sucesso, vamos nos moldando ao que tantos esperam de nós.

O sistema nos diz que estamos livres para decidir qual marca queremos comprar, o que vestir ou onde vamos, mas nós mulheres sabemos que não é bem assim. Ou quem de nós nunca sentiu medo de passar por uma rua a certa hora da noite? Ou quem não pôde brincar com algo porque nos disseram que não era adequado? Ou você nunca pensou, ¨acho que não posso ir com essa roupa porque parece que estou provocando¨?

Assim vão sendo moldados nosso gosto, nosso comportamento, nosso caminho de casa para o trabalho, tudo isso para que possamos ¨caber¨no molde e no espaço que o sistema nos deixa para ser. O patriarcado controla muitas dimensões da nossa vida, e isso acontece porque organiza um conjunto de relações sociais nas quais nossa sociedade está estruturada. Não é atoa que o capitalismo precisa dele para sobreviver!

Ousar querer é dar um passo em direção a um mundo livre. Ter as condições reais para escolher como construir as nossas vidas é parte essencial de uma agenda feminista que quer construir outro mundo. Decidir é fundamental para que possamos simplesmente ser.

 

*Sarah de Roure é historiadora e militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Comments

  1. sonia regia a. pereira says:

    Sarah, Sua avó deve estar muito orgulhosa de você. Eu, estou, muito! Lendo seu texto lembrei-me, muito saudosa, do seu muito amado tio. Ele também jamais se conformou com o “padrão deste século”. Parabéns e que Deus siga te abençoando e não deixe calar sua voz de inconformismo com esse mundo. Beijos, Soninha.

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